Delimitação geográfica da área de produção
Há filigrana em Espanha, França, Itália, Dinamarca, Suécia, Noruega, Turquia, África, América do Sul, China, Índia…. Não é, portanto, uma arte nacional, como tantas vezes se quis fazer entender ou se pensou. Aliás, o percurso antiquíssimo da técnica da filigrana ao longo dos tempos faz dela uma arte do mundo, ainda que cada território que a assumiu e desenvolveu lhe tenha conferido características próprias e diferenciadoras, ligadas aos contextos culturais onde ocorre, o que nos permite distinguir a sua proveniência e vinculá-la a um determinado território de difusão.
Pensa-se que a influência da ourivesaria oriental e helénica se exerceu na Península Ibérica, pelo que datará desta época a técnica da filigrana na ourivesaria hispânica, essencialmente como elemento decorativo de peças pré-existentes. No século VIII, os árabes já encontraram na Península Ibérica (nas oficinas de ourives visigóticos e anteriores) aptidões e desenvolvimentos técnicos importantes, o que os levou a enaltecerem e desenvolverem ainda mais a ourivesaria, com particular relevo para a técnica da filigrana.
A abundância do metal extraído das minas existentes no território português, bem como o ouro trazido das colónias do Ultramar, a habilidade técnica e o gosto estético dos artífices e o interesse das camadas mais abastadas por este produto, fizeram com que esta arte tenha alcançado um nível considerável de desenvolvimento e evolução desde há alguns séculos a esta parte.
O estabelecimento de oficinas de ourives no norte do país, nomeadamente no Porto (maior centro de produção de ourivesaria a nível nacional), Guimarães e Braga (terras de muitos ourives) foi responsável, mais tarde, pelo nascimento dos dois centros produtores emblemáticos que ficariam conhecidos pelo seu trabalho na técnica da filigrana: Gondomar (muito ligado às oficinas do Porto) e Póvoa de Lanhoso (ligado às oficinas de Guimarães e Braga). Dentro destes dois centros produtores destacavam-se, em Gondomar, as freguesias de S. Cosme, Rio Tinto, Valbom, Fânzeres e S. Pedro da Cova e, na Póvoa de Lanhoso, Travassos e Sobradelo da Goma, freguesias que ainda hoje se destacam pelo seu trabalho de ourivesaria e, dentro deste, pela técnica da filigrana.
Assim, e ao longo dos séculos XIX e XX, estes dois centros vão-se desenvolvendo e assumindo um papel preponderante na ourivesaria portuguesa. Paralelamente assiste-se a um enfraquecimento das oficinas do Porto, Guimarães e Braga que vão perdendo protagonismo (sem, contudo, deixarem de produzir). A partir deste mesmo período, as diferenças entre a produção feita em Gondomar e na Póvoa de Lanhoso vão-se esbatendo e diluindo lenta e gradualmente, sendo as oficinas de uma e de outra zona capazes de produzir o mesmo tipo de peças. Inclusive colaboram muitas vezes na execução de trabalhos.
Assim, as formas e as tipologias destes dois núcleos que se afirmaram ao longo dos tempos (muito ligados a uma ourivesaria dita popular) e se difundiram através de outras regiões para o resto do país, são unanimemente assumidas e reconhecidas como a tradicional filigrana portuguesa, sendo vendidos pelos ourives ambulantes por todo o país (enquanto não se assistiu ao estabelecimento de lojas para revenda e mesmo a oficinas para produção local) e deleitando as mulheres de todas as classes e idades (que investiam em ouro, uma segurança para o futuro e simultaneamente possuíam objetos de adorno com que se embelezavam e com os quais demonstravam a sua posição social). Ligados a indumentárias como o emblemático Traje à Vianesa, o Traje de Mordoma e o Traje de Noiva, de Viana do Castelo (entre outros) e usada pela mulher em momentos de trajar específicos (camponesas e mulheres do meio rural, sobretudo na região norte mas também noutras zonas do país), a filigrana torna-se indissociável da uma imagem social bem marcada e muito identificada com Portugal.
E, dentro da filigrana, algumas peças ganham um relevo extraordinário - o coração “minhoto”, as arrecadas, as medalhas, os trancelins, os colares, os pendentes, as laças….
Desta forma, somos de opinião que delimitar a área geográfica de produção de filigrana a um ou outro território atrás referidos ou mesmo à região norte do país seria redutor, não atendendo à realidade histórica (extremamente antiga e difusa), à importância que tiveram os territórios de difusão para a afirmação da filigrana e do seu uso (vejamos o caso da preponderância da filigrana no trajar e nas romarias do Minho), nem à atual situação da produção (a difusão dos objetos em filigrana foi tal que hoje é uma produção artesanal identificada com o próprio país e não com um ou outro centro produtor, inclusive tendo gerado outras oficinas fora dos territórios referidos). Isto seria prejudicial ao seu desenvolvimento enquanto arte de grande interesse cultural, simbólica e tradicionalmente ligada à identidade portuguesa.
Inclusive, a especialização técnica de alguns ourives, especialmente dos mais contemporâneos com formação na área do design (independentemente do local do país onde se encontram) permite-lhes a produção de peças em filigrana artesanal, o que acontece em alguns casos. Esta situação faz com que seja pertinente propor que a área geográfica de produção abarque todo o país, sendo que as peças em filigrana para serem certificadas terão que cumprir o estabelecido neste caderno de especificações, qualquer que seja o local do país onde sejam produzidas.
Desta forma e como atrás foi referido, propõe-se que a denominação a constar da IG - Indicação Geográfica a aprovar seja “Filigrana de Portugal”, abarcando assim todo o território nacional.
Fonte: Ramos, Graça, Caderno de Especificações para a certificação, 2017