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Caderno de Especificações

Caracterização das matérias-primas

Identificação e caracterização das matérias-primas

São raros os metais que existem na Natureza em estado puro e isolado. A maior parte encontra-se combinada com outras substâncias (oxigénio ou ácidos). O ouro, o cobre e a prata constituem a exceção.
As matérias-primas de base usadas na produção de peças de filigrana são o ouro e a prata, metais preciosos que se compadecem com a elaborada, difícil, minuciosa e complexa técnica da filigrana. Podem conviver, na mesma peça, com outros materiais e técnicas, como esmaltes, pedras, metais variados, couros, cortiça, têxteis, etc. Mas, nesse caso, não se trata de peças da categoria “100% filigrana”. Poderão ser da categoria “filigrana” (em que mais de 50% da peça tem que ser constituída pelo trabalho filigranado) ou “aplicações em filigrana” (ver o capítulo 6 - Características do produto “Filigrana de Portugal”).

Não é considerada filigrana o trabalho em fios de metais não preciosos (cobre, arame, etc), independentemente da possível torção dos fios e do enchimento das peças: a complexidade da técnica faz com que apenas sejam admitidos para trabalhar o ouro e a prata, metais nobres que, pelas suas características, não comprometem os resultados finais e conferem à filigrana o seu valor (real e simbólico), raridade, brilho, beleza e singularidade.

• O ouro
O ouro, considerado o metal nobre por excelência, é praticamente indestrutível sob a ação de agentes químicos, bem como em contacto com o meio ambiente, seja qual for a temperatura. Não se altera sob ação do calor ou da humidade, nem com os agentes corrosivos do ar. O facto de ser um metal inoxidável por excelência, brilhante (cor dourada) e incorruptível, associado à sua relativa escassez, converteu-o no metal mais apreciado e procurado para fins ornamentais.

O ouro é um metal extremamente denso. Mas é também o metal mais maleável (tem capacidade para sofrer deformações permanentes quando submetido a certas temperaturas e a algumas ações mecânicas) e mais dúctil (tem a possibilidade de ser reduzido a fios muito finos). Demasiado frágil e flexível para poder ser usado puro em peças de ourivesaria, é necessário misturá-lo com outros metais, o que lhe dá maior resistência. Nos objetos de filigrana (bem como em todos os objetos de arte e luxo), utiliza-se uma liga com cobre e prata.

Em Portugal, a percentagem de ouro na composição da liga por cada quilograma é de 800 gramas de ouro puro (80%) e de 200 gramas para os restantes componentes da liga (20%). É conhecido pelo ouro de 19,2 quilates. Também há casos em que a percentagem de ouro é de 75% para 25% de liga (conhecido por ouro de 18 quilates).
Nas peças de ouro colorido, consoante a matiz pretendida, a liga contém ouro, prata e cobre, sendo a variação da proporção destes dois metais que confere uma tonalidade mais vermelha (teor de cobre superior) ou mais amarela (teor de prata superior).

O fio de ouro no trabalho da filigrana deve ser fino (tornando-se muito mais maleável e “plástico” e permitindo um pormenor no trabalho filigranado de extrema minúcia e detalhe) e a sua espessura máxima não deve ultrapassar os 0,22mm.

• A Prata
Posteriormente à descoberta e uso do ouro e do cobre, surgem outros metais como o estanho, a prata e o chumbo. A semelhança das características da prata com as do ouro fez com que este metal passasse a ser também utilizado no fabrico de adereços e fins ornamentais.
A prata é um metal de cor branca que, tal como o ouro, é praticamente inalterável ao ar e na água. É muito dúctil, maleável e resistente à corrosão e é a substância de maior condutibilidade térmica e elétrica. Apesar do seu brilho metálico, a prata oxida em contacto com o ar perdendo a sua característica cor e brilho.
Nos objetos de filigrana de prata, a liga para o fio de enchimento é composta por prata e cobre, na proporção de 95% de prata e 5% de cobre, podendo ser utilizada uma liga de prata na proporção de 92,5% de prata e 7,5% de cobre na elaboração e execução do esqueleto ou armação.
O fio de prata no trabalho da filigrana deve ter a espessura máxima de 0,22mm.

• Contrastaria
Para atestar a qualidade das ligas utilizadas (o “toque”) existe um sistema de controlo que consiste na aposição, nas peças, de uma marca (punção) pela Casa da Moeda (entidade com autoridade, a nível nacional, para fiscalizar e garantir o teor de metais nas ligas – contraste).
O controlo e marcação de artefactos de metal precioso é a mais antiga forma de proteção do consumidor. A falsificação de artefactos de ourivesaria foi, no passado, um crime severamente punível por lei, de forma semelhante ao da falsificação de moeda. D. João I (1357-1433) regulou a profissão de ourives e o comércio de ourivesaria. Posteriormente, as Ordenações Afonsinas (1446) e as Ordenações Filipinas (1603) agravaram as penas, que iam desde o degredo à pena capital. Com D. Pedro II, no séc. XVII o toque mínimo do ouro passou a ser 20 quilates e no reinado de D. João V, no séc. XVIII, passou a 18 quilates e a qualidade das ligas era obrigatoriamente examinada pelos vedores. Atualmente, o Código Penal prevê fortes penalidades para a falsificação de punções de Contrastaria. Durante a Idade Média, o controlo do toque dos metais preciosos (percentagem de metal precioso na liga), era da responsabilidade das corporações dos ourives. Havia a Confraria dos Ourives de Lisboa, a Confraria dos Prateiros de Lisboa e as suas congéneres no Porto, que obedeciam a regulamentos bastante rigorosos visando garantir os níveis de qualidade dos artigos fabricados. Competia à Casa da Moeda, agindo "em nome de El-Rei" superintender a atividade. Com o desaparecimento das corporações de ofícios, em 1834, a tarefa e responsabilidade de "contrastar" os artefactos de metal precioso foi entregue aos municípios, sistema pouco eficaz e que se veio a mostrar ineficaz. Como consequência, as marcas e a ourivesaria portuguesa perderam alguma da sua credibilidade. Em 1881, o rei D. Luís I decretou a uniformidade dos toques de ouro e prata em todo o país. Um ano mais tarde, e para consolidar as medidas de controlo e fiscalização anteriores, Fontes Pereira de Melo extingue os contrastes municipais e decreta a criação das Contrastarias de Lisboa e Porto, subordinadas à Casa da Moeda. Em 1886 foi criada a Repartição de Contrastaria de Braga que viria a ser extinta em 1911. Em 1900 é solicitada ao Governo a criação de uma nova repartição de contrastaria, em Gondomar, dado o número de fabricantes que aí existia, repartição essa criada em 1913. Com a criação da Imprensa Nacional-Casa da Moeda em 1972, as Contrastarias foram integradas nesta empresa pública. Em 1986 foi criado o atual Departamento de Contrastarias da Imprensa Nacional-Casa da Moeda, integrando as Contrastarias de Lisboa e Porto, esta incluindo uma delegação em Gondomar, situação que ainda se verifica na atualidade. Nos termos do Regime Jurídico da Ourivesaria e das Contrastarias, aprovado pela Lei n.º 98/2015, de 18 de agosto, os artigos com metal precioso, como o ouro e a prata, têm obrigatoriamente que ser contrastados por forma a garantir ao consumidor a qualidade e genuinidade dos metais/ligas utilizados, requisito naturalmente obrigatório para acesso à certificação das peças como “Filigrana de Portugal. Deverá ainda existir um punção com a marca da certificação, aposta na peça pelo próprio ourives (em local por si escolhido e com o tamanho que cada oficina entender ser melhor para cada peça onde será aplicado), e que identifica a peça como Filigrana de Portugal, técnica artesanal tradicional certificada.

Fonte: Ramos, Graça, Caderno de Especificações para a certificação, 2017